"Revendo vidas passadas e refletindo piedosamente sobre mim mesmo."
(Quatro canticos.)
I
Eu pecador me confesso, perante a tudo e a todos. Minhas falhas e pecados.
De ontem e de hoje. Abro sem medo meu coração milenar.
E, consciente de meus feitos e ações, exponho minh’alma nas vitrines dos mundos.
Em sua máscara insensível de fingida transparência.
II
Sou e não sou tudo aquilo que dizem de mim.
Amores e desamores.
Fui a dor que transcende os limites dos mundos.
O ódio nas entranhas e o fogo dos sentidos.
A ilusão no sorriso e a frigidez no carinho.
Fui também a verdade mentirosa da vida.
Que prega para os crentes o senso e o contrassenso.
Do "por que" das razões mesquinhas e torpes.
Do ser e do existir.
Fui e sou, enfim, aquele que maldiz e conspurca.
Em nome de Deus e do Diabo.
III
Mas posso também abençoar e purificar.
Pelo amor mais santo ou mais profano.
Exalando fragrâncias sutis e inebriantes.
Sussurrando lascivo e insinuante.
Coisas da alma e do corpo delirante.
Sei como iludir em versos e canções.
Seduzir entoando loas e cânticos.
A quem minha luxuria quiser possuir.
Ser enfim, docemente, a falsa razão do tudo.
Ou, cruelmente, a verdadeira ilusão do nada.
IV
Eu pecador me confesso, perante a tudo e a todos.
As razões de minhas dores.
Ousei um dia afrontar os mistérios divinos.
Incauto, soprei as cinzas dos tempos.
Adentrei em passados veneráveis.
Ultrajando os sacrossantos pilares das leis morais.
Na volúpia inconsequente dos sentidos.
Vilipendiei minhas muitas existências.
Maculando com ferro e sangue compromissos abençoados com a vida.
Obstinado em minha loucura, ultrajei todas as partituras universais do amor.
Em seus tons maiores e menores.
Deturpando, lascivamente, todos os atos e fatos do coração.